segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O dono da razão
Nando da Costa Lima

NandoToda cidade tem seus problemas, mas tem umas que são um eterno problema. É o caso de Remosópolis, uma terra que não vai pra frente enquanto existir a família Remoso. Eles se metem em tudo e acabam estragando todo acontecimento que há na cidade, agora mesmo eles estavam aprontando. É que a academia de letras e capoeira promoveu um concurso de poesia a nível regional, a cidade estava repleta de poetas, tinha representante até de Conquista. A apresentação das poesias foi no colégio Remoso, e tudo correu às mil maravilhas, boas poesias foram apresentadas num clima de muita paz. O problema era o resultado, acontece que o coroné Mangangão Remoso inscreveu uma poesia no concurso, tida pela família como a melhor obra do velho. Os moradores da cidade não aceitaram participar do júri, eles não tinham coragem de votar contra o coroné. A direção resolveu formar um júri com pessoas de fora, eles não sabendo da fama do coroné votariam imparcialmente, ou seja, nem classificariam a poesia do velho. A família Remoso ficou sabendo daquilo e fez de tudo pra comprar os jurados, mas eles foram irredutíveis. As poesias iam ter que ser reapresentadas ao novo júri, a poesia do coroné tinha sido apresentada pela primeira vez por um neto dele, mas agora a família achava melhor o próprio autor declamar, a presença dele poderia impressionar o júri. Nervoso ele não tava, vaia ele sabia que ninguém tinha coragem de dar, cara feia ele já tava acostumado, foi militante da Arena enquanto esta existiu. A
cisma dele era ter sua obra de arte desmoralizada por aqueles forasteiros. Mas ele ia preparado, qualquer desrespeito ele mandava uns quatro pro inferno, não ia ser agora no fim da vida que seu 38 ia negar fogo.
Chegou o grande dia, na casa do coroné tinha pra mais de cem jagunços vindos especialmente pra torcer, trouxeram até as “papo-amarelo” pra atirar pra cima na hora da vitória, se o coroné fosse derrotado elas serviriam pra outra coisa. O colégio estava cheio, as primeiras filas foram tomados pelos homens do coroné, o diretor permitiu que eles entrassem armados para manter a ordem. A poesia do coroné foi a última a ser apresentada, o locutor anunciou: “E agora um poeta da terra, o coroné Mangangão vai declamar um poema de sua autoria, ‘Eu sou o dono da razão’ ”. Ele subiu no palanque trajado a rigor, só tinha uma diferença dos demais poetas: eles estava usando dois revólveres, um em cada bolso do paletó. Pegou um revólver e colocou em cima da mesa do júri, o outro ia servir de apoio moral. Pediu silêncio, deu um tiro pra cima e de revólver na mão começou a declamar sua obra prima: “Eu sou o dono da razão / Eu sou mais eu nessa merda, riqueza pra mim é macheza / ser bravo é minha missão, só tomo pinga dobrada / não pago e cuspo no chão / e se alguém achar ruim, atiro no meio da testa / ainda corto as orelhas pra que sirva de lição / não é à toa que meu nome é Coroné Mangangão / atiro com as duas mãos, tanto com ou sem razão / e sempre disse pro povo como dono da razão / o homem pra viver bem tem que ter duas paixões / fé em São Sebastião e um revólver na mão”.
Terminou de declarar e descarregou o revólver, desceu pro seu lugar no auditório e ficou esperando o resultado. Era visível a preocupação do júri, que rabo de foguete. Morrer por causa da poesia ninguém queria, o jeito era empenar pro lado do coroné. E foi num clima de festa que o presidente do júri anunciou o resultado: em 1º lugar o Coronel Mangangão com a melhor poesia, 2º lugar foi ele também com melhor interpretação, 3º lugar outra vez o coronel pelo seu espírito competitivo. O coroné foi premiado quase unanimemente, dos 15 jurados só um voto contra. Segundo a viúva do infeliz, ele votou contra porque tava a fim de morrer, tinha tentado várias vezes sem dar resultado. Desta vez deu. Todo mundo viu que foram os homens do coroné, mas depois do depoimento da viúva dizendo que o defunto era um louco suicida os jagunços foram inocentados e no dia seguinte o jornal da cidade exibia a seguinte manchete “Remosópolis lamenta suicídio cultural que apagou o brilho da sensacional vitória do poeta Mangangão Remoso”.




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