sábado, 22 de outubro de 2016

O curió falador
Nando da Costa Lima
Nando
Os pássaros, apesar de engaiolados, estavam eufóricos. É que depois de uma reunião muito concorrida, eles decidiram ter um diálogo com o dono. A reunião foi para decidir quem seria o porta-voz do grupo. Depois de muita disputa, ficaram pro segundo turno o belga e o curió. Com a onda de nacionalismo da Nova República, o curió venceu quase que unanimemente, só teve um voto em branco, o do representante dos pardais. Estes, por terem origem chinesa, só votariam num pássaro que fosse vermelho, como não havia nenhum candidato dessa cor, eles optaram pelo voto em branco.
Ficou certo que no dia seguinte ocorreria o dialogo. Tava decidido, ou o dono aceitava as reivindicações dos pássaros ou eles entravam em greve e ninguém cantaria nem comeria até a morte. Na hora que o criador chegou pra dar comida, por coincidência, a primeira gaiola que ele pegou foi a do curió. O passarinho foi direto ao assunto: “Moço, o senhor notou que esta manhã ninguém aqui cantou?”. O homem, apesar de assustado, perguntou: ”Eu tô ficando doido ou você falou comigo?”. O curió explicou toda a situação e o criador pegou a gaiola e levou para um lugar onde ninguém pudesse vê-los, não ficaria bem o povo da casa ver ele conversando com um passarinho, e logo um curió, iriam pensar que ele estava “caducando”. Se fosse arara, menos mau. Quando ele se certificou de que não tinha ninguém olhando, perguntou:
– Por que você escolheu logo a mim pra dar esse susto?
– Porque o senhor é o único que, mesmo sabendo que uma gaiola para pássaro é como uma prisão para o homem, faz de tudo para nos manter alegres através da alimentação. Mas isso de nada adianta. Como exemplo eu cito a minha espécie: por sermos
bons cantores, o homem nos valoriza muito, e apesar do esforço pra nos manter em cativeiro, nós estamos em extinção! E não são só bons cantores que sofrem a perseguição do homem. O Sr. vê pardais, por não saberem cantar, vivem em total liberdade e se reproduzem aos milhares. Vocês homens acham que os pardais viraram “praga”, e eles são perseguidos por isso.
O homem ainda assustado com o argumento do passarinho continuou a conversa:
– Mas vocês não estão gostando do tratamento? Aqui vocês nunca são maltratados e comem todos os dias.
– Eu sei aqui nós jamais morreremos de fome, mas queremos é viver no nosso habitat natural. Voar pra nossa região de origem. A liberdade é necessária a todo ser vivo!
– Mas se eu soltá-los vocês não terão mais condições de sobrevivência. Além do mais, a liberdade é uma utopia.
– Isso nós saberemos se o senhor nos soltar, concorda?
O criador caiu na conversa do criador e soltou todos os pássaros. Todos dirigiram-se para suas regiões de origem. O homem, apesar de sentir falta do canto, estava satisfeito. Não iria dormir sossegado com aqueles passarinhos engaiolados. O curió tinha feito sua cabeça!
Passaram-se os dias, numa certa manhã ele acordou com um canto do curió, correu até a gaiola e viu que ele tinha voltado. Pegou o passarinho e foi pra um lugar afastado, estava curioso. Por que ele voltou? Antes de perguntar, o curió abriu o verbo:
– Nós saímos daqui com tudo que mais desejávamos: liberdade. Mas depois dessa aventura eu cortei essa palavra do meu dicionário.
– Mas para quê tanta amargura, onde estão os outros pássaros?
– Os amigos que voaram para o Sul e Centro Oeste acharam os campos tão poluídos que nada podiam comer, morreram todos de fome. OS que foram pro Norte acharam as matas destruídas pelas queimadas, também morreram de fome. Os meus amigos nordestinos, como sempre, são os que mais sofrem, morreram de fome e de sede. Eu, quando soube dessa notícia por intermédio de um urubu, voltei. Não adianta poder voar se não temos pra onde ir, a liberdade desorganizada é a pior das prisões!
O dono do curió quando escutou aquela conversa de intelectual de palanque, ficou curioso e indagou:
– Curió, esses dias que você ficou fora, por que além de engordar você voltou tão politizado?
– É que eu voei pro comitê de um candidato a presidente, ali eu vi fartura!
– Deve ter sido um comitê de extrema esquerda. Você tá mais pessimista que sociólogo na época da ditadura. Qual foi mesmo o comitê?
– Não me lembro, nesse tempo de eleição ficam todos iguais. Viram socialistas voltados aos problemas do povo, todos pregam o mesmo sermão.
– Mas se há tanta fartura, por que você voltou?
– É que aqui eu não preciso suportar aquela prosa ruim todo santo dia. Eu já tava até apreensivo, não fica bem o rei canoros com fama de prosa ruim.
O homem ficou tão entusiasmado com a história do passarinho que partiu alegre em busca de liberdade e voltou amargurado e politizado que reuniu a família e contou tudo o que se passou entre ele e o curió. Até hoje tá internado. O curió permaneceu na casa, mas vive de bico fechado, morre de medo de falar alguma coisa e o pessoal internar ele também.


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