sábado, 23 de julho de 2016

Pirão de Buchada
Nando da Costa Lima


nando da costa limaDona Tolentina tinha acabado de deixar meia panela de buchada pra seu Ortêncio no bar, sempre que preparava um bucho lembrava da velha paixão, era seu prato favorito! A roda de cachaceiros que não saía dali nem ousava pedir um tira-gosto, sabiam que aquilo era coisa antiga, qualquer brincadeira com o nome de Dona Tolentina o engraçadinho além de perder o crédito no buteco corria o risco de levar uns tapas… Quando Ortêncio colocou o prato sobre o balcão, espremeu uma banda de limão em cima do pirão e pegou uma garrafa de Jurubeba pra acompanhar aquela gostosura, todos que estavam no bar ficaram com água na boca… Aí então chegou Nozim, um moleque beirando os treze anos, conhecidíssimo na cidade pelo eterno vazamento que tinha no nariz, o menino que vivia gripado! Era uma coisa incrível, quando a narina direita parecia que ia despejar ele dava uma aspirada tão retada que o vazamento já passava pra esquerda. Ortêncio ainda tentou baixar as vistas mas não deu tempo, ficava difícil olhar pra cara de Nozim e comer ao mesmo tempo. Se fosse outra comida até que ia… Tratou de atendê-lo o mais depressa possível, mesmo assim teve que beber meia garrafa de Jurubeba pra parar de relacionar o nariz do menino que saiu com o seu prato predileto. O único jeito era suportar a prosa dos bêbados até mais tarde pra ver se esquecia do ocorrido e encarava o pirão preparado com tanto amor. Nesse meio tempo, resolveu tomar mais uma pra aguentar as conversas da freguesia. Seu Zé,
um biriteiro que tinha fama de matador explicava pra outro bêbado: “Pra matar um safado você tem que enfiar a faca na terceira costela de baixo pra cima e esperar o sacana estrebuchar, senão não dá gosto!”. Dizia aquilo como se tivesse coragem de fazer… Seu Genaro viajante não cansava de se gabar dos vinte seguros contra enchente que ele vendeu no Guigó. Ouvídio, que já tinha mais de oitenta anos e só dormia bêbado, tava contando a sétima das nove transadas que tinha dado na noite anterior. Tudo acontecendo como em todo buteco que se preze… Graças à paciência de Ortêncio, a fome voltou, agora era só esquentar a boia e fundar dentro, já tinha esquecido por completo de Nozim. Fez um prato dobrado e sentou-se no balcão, a comida chegava a sair fumaça! Mas aí o destino tornou a aprontar outra: é que o menino voltou da porta de casa, tinha esquecido de dar um recado. Ortêncio tentou correr pro quintal com o prato, mas o moleque gritou assim que ele deu as costas: “Tenho um recado de pai pro senhor”. Ortêncio nem se virou pra evitar a cara de Nozim, e de costas pediu pra que ele desse o recado e fosse embora, estava muito tarde! Aí ele abriu o verbo: “Pai mandou dizer que não veio pagar a conta porque tá com uma caganeira retada, tá saindo até sangue! Mas disse que assim que melhorar vem pagar, o coitado tá parecendo que comeu pirão dormido”. Nessa noite, depois de quinze anos de espera, os cachaceiros do bar de seu Ortêncio foram homenageados com um tira-gosto de pirão de buchada por conta da casa. Graças a Nozim!..

Nenhum comentário:

Postar um comentário