A Serra do Piripiri, a habitação popular e o compromisso com as futuras gerações
*por André Ferraro
A primeira abordagem oficial consistente da questão ambiental em Vitoria da Conquista se deu no inicio de 1989, quando o então prefeito Murilo Mármore, hoje procurador geral do município, baixou um decreto considerando de utilidade publica toda a área da Serra do Piripiri acima da cota mil, e ainda no seu mandato criou a secretaria municipal do meio-ambiente.
Em 1996, o então prefeito José Fernandes Pedral Sampaio declarou, por meio do Decreto 8.695, que 500 hectares deveriam ser preservados como Área de Proteção Ambiental, tombando a área e proibindo a extração mineral e o desmatamento do principal marco geográfico e histórico de Vitória da Conquista e nascente do Rio Verruga.
Controlar o avanço de “ocupações inadequadas” sobre a Serra do Piripiri – importante reserva da Mata Atlântica que se encontrava então em franco processo de degradação e seriamente ameaçada por uma extração mineral predatória –: eis um dos argumentos centrais do Decreto 9.480, de 1999, que criou o Parque Municipal da Serra do Piripiri.
E é nesse decreto que cria o Parque – e que amplia para 1.300 hectares a área protegida – que está mais claramente identificado o objetivo de conter o avanço de habitação irregular: “o uso e a ocupação inadequados vem causando prejuízos ambientais e urbanos, tornando necessário planejar o uso do solo na cidade”. O
primeiro artigo do decreto é de uma clareza solar ao proibir terminantemente construções “a qualquer título”.
A Lei Orgânica do Município dedicou um capítulo inteiro à questão da preservação do meio ambiente, argumentando que “todos têm direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, considerado como bem de uso comum da população e essencial à adequada qualidade de vida, impondo-se a todos e, em especial, ao Poder Público Municipal, o dever de defendê-lo e preservá-lo para o benefício das gerações atuais e futuras”.
E é também a Lei Orgânica que define as unidades municipais públicas de conservação como “patrimônio público inalienável”, sendo proibida sua “concessão ou cedência” e qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere as características naturais. A mesma lei reza que o poder público deve incentivar e promover o reflorestamento ecológico em áreas degradadas.
O Código de Meio Ambiente, instituído pela Lei Municipal 1.410, de 2007, durante as gestões municipais do PT, veio para fortalecer a política ambiental no município, inclusive tornando Unidade de Conservação a Reserva Florestal do Poço Escuro, criada pelo Decreto nº. 8.696, de 1996. Área com 17 hectares de mata ciliar, a reserva abriga as principais nascentes do Rio Verruga e é refúgio para a fauna silvestre regional, ameaçada de extinção.
Nos Parques Municipais – como é o caso da Serra do Piripiri – reza o Código Municipal de Meio Ambiente, só poderão ser desenvolvidas atividades de pesquisas científicas e de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. “São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades em desacordo com os seus objetivos”.
O Código ainda declara como infrações ambientais “obras, atividades ou serviços submetidos ao regime desta Lei, sem licença do órgão ambiental municipal competente ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”. Diz mais: “A penalidade de embargo ou demolição poderá ser imposta nos casos de obras ou construção feitas sem licença ambiental ou com ela desconformes”.
Outro importante Código municipal – o de Obras – reza que os projetos de novas construções, de abertura e ligação de novos logradouros ao sistema viário urbano e de abertura de novos loteamentos urbanos, com potencial de dano ou degradação ambiental, remoção de vegetação nativa e extinção de habitats ou, ainda, envolvendo movimentos de terra – e mesmo de iniciativa do Poder Público – deverão ser licenciados em acordo com as disposições do Código Municipal do Meio Ambiente.
O texto do Código de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo e de Obras e Edificações do Município de Vitória da Conquista também é bastante lúcido ao determinar o comportamento do administrador público em caso de construções clandestinas. Segundo o artigo Art. 141, deve ser realizada a demolição de qualquer obra sem a devida licença. “A demolição será sempre imediata, quando houver risco iminente de dano a terceiro, ao patrimônio público ou a outros bens de caráter público”.
Vitória da Conquista dispõe ainda de outro importante instrumento legal de orientação urbana, o Plano Diretor Urbano, lei de 2007 que estabelece critérios para edificação de loteamento de interesse social e institui o sistema de Áreas de Interesse Ambiental. Segundo o PDU, mesmo loteamentos de interesse social – até aqueles promovidos pelo Poder Público – poderão se localizar em qualquer Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) ou em Zona Residencial, “exceto em áreas incluídas no Sistema de Áreas de Interesse Ambiental”.
O acervo de leis longamente mencionadas acima serve para demonstrar que Vitória da Conquista é privilegiada por uma legislação consistente de proteção ao seu patrimônio ambiental, tendo consolidado um arcabouço jurídico que, em tese, poderia projetá-la para um nível superior de consciência crítica de sua população quanto a temas centrais das cidades médias, especialmente no que diz respeito à preservação de sítios ambientais.
No entanto, apesar do conteúdo avançado das leis municipais, assumimos em janeiro de 2017 um município com uma política ambiental, no mínimo, sem efetividade. Como se tudo isso ficasse apenas no papel e no discurso. Um sobrevoo na Serra do Piripiri e lá estão visíveis os efeitos daninhos desta negligência. A permissão para edificação de projetos de habitação sem qualquer observância às leis protetoras do nosso principal marco geográfico é apenas uma mancha.
As ocupações clandestinas avançaram sobre a Serra, provavelmente inspiradas na permissividade que deu aval para grandes empreendimentos imobiliários, e pelo abandono do Programa Municipal de Habitação Popular, devotado às famílias de baixa renda, criado em 1991 e descontinuado nas administrações recentes. O governo anterior simplesmente abandonou o programa na ultima década para viver das “glórias” do Minha Casa Minha Vida.
O novo governo terá, nos próximos quatro anos, a tarefa – uma verdadeira empreitada – que construir um novo modelo de convivência, seja na Serra ou em toda Vitoria da Conquista, com o foco central de que a cidade é para as pessoas. Para todas as pessoas.
Preservar um patrimônio ambiental da grandeza da Serra do Piripiri, impedir que interesses individuais e de grupos de pressão se sobreponham ao direito coletivo à cidade, significa cuidar para que as futuras gerações – nossos filhos e netos – sejam protegidos dos efeitos negativos da ocupação predatória de uma área essencial ao equilíbrio ecológico
Portanto, precisamos ser claros, e chamar todos os agentes políticos para a reflexão: permitir e estimular a expansão de uma grilagem de terrenos públicos é ser conivente com o abuso e a ilegalidade, é ser cumplice de um crime contra Vitoria da Conquista. Por isso, além de agir dentro da mais estrita legalidade, o governo municipal tem legitimidade – constituída pelo voto popular – para fazer cumprir o que está previsto em lei, para exercer seu poder para defender a coletividade. E assim tem feito, com coragem e agilidade necessárias para deter a expansão desordenada, exponencial e extremamente perigosa da área.
A prefeitura age para proteger a sociedade de interesses pontuais e individuais, especialmente quando esses interesses são influenciados e manobrados por interesses de grupos insatisfeitos com a derrota eleitoral. Grupos que parecem não aceitar a democracia, e pior, aparentemente cheios de preconceitos, agem sistematicamente contra e, impacientes, exigem soluções milagrosas de um governo com menos de 90 dias de mandato. Que parecem não aceitar ainda que um radialista, um homem que construiu sua vida ouvindo e sendo a voz do povo, seja prefeito. Que um homem popular tenha ganho a eleição dos doutores.
Não é justo com a cidade, não é honesto nem permissível que a política – este instrumento emancipador – esteja a desserviço das pessoas e de Vitoria da Conquista. É ainda menos tolerável que agentes políticos que governaram essa cidade e que, sim, ajudaram a constituir um corpo legal de proteção de nossos mananciais e áreas de preservação ambiental se comportem agora de maneira tão irresponsável e desarrazoada, desconectados da sua própria história. Não é aceitável que sacrifiquem conquistas de décadas, fruto do esforço coletivo, para apenas salvaguardarem-se eleitoralmente, apelando para discursos sensacionalistas para desgastar o adversário politico, mesmo que isso represente um enorme prejuízo para a própria cidade. Não, na politica não pode valer tudo.
Fica a dica: o momento exige seriedade. Defender a preservação ambiental na Serra do Piripiri é uma obrigação coletiva. Vitória da Conquista quer e espera muito mais de todos nós.
André Ferraro é secretário de Comunicação da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista
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